sábado, 23 de maio de 2009

Vale a pena ser jornalista?


(...)Quando adolescente, acreditava que o jornalismo seria um dos caminhos para mudar, radicalmente, o mundo. Mas nasci depois dos anos 60 e cresci com a imagem do Muro de Berlim sendo destruído e essa coisa de revolução foi ficando fora de moda, apesar das injustiças sociais de norte a sul terem se agravado. Dizem por aí que a ditadura caiu, que vivemos numa democracia e que tudo, a partir de então, deve ser feito de "maneira mais madura e civilizada". A ditadura se foi, é certo, mas isto que a substitui está longe de ser uma democracia (no sentido original) e muitos dos que mandavam antes continuam mandando agora, sempre sem nenhuma "civilidade".(...)
O jornalismo em que acredito deve saber costurar os fios de uma história, descrevê-la da forma mais objetiva possível e contextualizá-la. (...) Para completar, vivemos num país onde a informação é controlada por meia dúzia de famílias. Essa concentração se torna ainda mais dramática pelo fato de que, segundo pesquisa divulgada pelo Ibope em setembro de 2005, 68% da população brasileira é considerada analfabeta funcional. E, se não bastasse, ainda temos um Poder Judiciário acostumado a separar a lei da justiça, a transformar vítimas em réus e vice-versa. (...) nos mostram que ainda é muito arriscado contrariar, em alta voz, os interesses da nossa elite. Conforme estudo da organização Repórteres Sem Fronteira (RSF), "a imprensa brasileira, sobretudo a local, continua sofrendo graves represálias quando se mostra curiosa demais". É por isso que o Brasil ocupa a 75ª posição no ranking que mede a liberdade de imprensa.(...)
Ainda assim, vale a pena ser jornalista? Vale se tivermos ânimo para ultrapassar as fronteiras proibidas, fronteiras bloqueadas pela censura, pela ignorância, pela mentira. Vale se tivermos os olhos bem atentos, para ver o delicado, o diferente, o invisível. É preciso coragem para se comprometer, para dizer o que se vê e o que se sente, sem medos nem manuais. Só vale a pena ser jornalista se for – como cantou Torquato Neto – para "desafinar o coro dos contentes".

Fernando Evangelista ( Mestre em Jornalismo pela Universidade de Coimbra, Portugal)

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